Teletrabalho Internacional: Cuidados jurídicos ao contratar empregados que vivem no exterior

A contratação internacional pode ser estratégica, desde que planejada com base na legislação e através de contratos sólidos e eficientes.

Com o fortalecimento do trabalho remoto e o avanço da mobilidade global, é cada vez mais comum que empresas brasileiras contratem profissionais que vivem fora do país. Essa nova realidade impõe uma série de desafios jurídicos, especialmente quando a relação entre as partes é caracterizada como vínculo empregatício, previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), e não como prestação de serviços autônomos, realizada por pessoa física ou jurídica (PJ).

E quando o trabalhador reside no exterior, a legislação trabalhista brasileira ainda se aplica? Esta é uma dúvida recorrente e a resposta não é automática, mas sim, pode ser aplicada, desde que certos critérios estejam presentes.

De acordo com o artigo 3º da CLT, o vínculo de emprego se configura pela presença de elementos cumulativos e são eles a subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade. Vale destacar que a residência do trabalhador no exterior, por si só, não é suficiente para afastar esses elementos. 

Assim, se o profissional for subordinado a uma empresa brasileira, receber salário de forma contínua e cumprir ordens diretas, a CLT pode sim reger essa relação mesmo que os serviços sejam prestados de outro país.

A Súmula 207 do TST (Tribunal Superior do Trabalho), cancelada em 2012, estabelecia que a legislação do local da prestação de serviços deveria prevalecer. Essa súmula consagrava o chamado princípio lex loci executionis, segundo o qual a lei aplicável ao contrato de trabalho seria a do local da prestação dos serviços, e não a do local de contratação.

Com o cancelamento da súmula, via de regra, um trabalhador contratado no Brasil para atuar no exterior terá seu contrato regido pela lei brasileira, salvo disposição contratual em sentido contrário ou normas específicas do país de destino.

Essa alteração contribuiu para reduzir a insegurança jurídica e simplificou os trâmites relacionados à prestação de serviços fora do país. Embora algum conhecimento sobre a legislação trabalhista estrangeira ainda seja necessário, já não se exige domínio aprofundado, mesmo nos casos de transferência internacional de empregados.

A aplicação da CLT se torna ainda mais clara quando a empresa está sediada no Brasil, exerce diretamente o poder diretivo e a relação contém todos os elementos de um contrato nacional. Ainda assim, o risco de litígios internacionais permanece, especialmente se o empregado buscar amparo jurídico no país onde reside.

Diante desse cenário, o contrato de trabalho deve ser cuidadosamente elaborado, com cláusulas específicas que indiquem expressamente a legislação aplicável, definam o foro em caso de disputas (ou, em alguns casos, a arbitragem), e tratem de forma clara aspectos como forma e moeda de pagamento, controle de jornada, fornecimento de equipamentos, ajuda de custo, segurança digital e proteção de dados.

Aliás, a proteção de dados é um ponto crucial, considerando que a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) busca garantir maior transparência e compreensão, por parte de empresas e cidadãos, sobre os mecanismos que envolvem a transferência de dados pessoais para fora do território nacional,  a chamada “Transferência Internacional de Dados” (TID). Este tema, no entanto, merece tratamento próprio em outro artigo.

Também é prudente incluir no contrato uma declaração sobre a residência fiscal do empregado e prever a responsabilidade por encargos trabalhistas e tributários.

A tributação, por sua vez, merece atenção especial. Mesmo que o trabalhador resida fora do Brasil, a empresa pode ter obrigações com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), caso a contratação esteja submetida à CLT. O Imposto de Renda também deve ser analisado individualmente, considerando a existência (ou não) de tratados internacionais de bitributação entre os países envolvidos.

Esses acordos são firmados entre nações com o objetivo de impedir a dupla tributação da mesma renda, trazendo maior previsibilidade legal e estimulando as relações econômicas internacionais. O Brasil, atualmente, mantém acordos desse tipo com diversos países da América Latina, Europa, Ásia e Oriente Médio.

A Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista) e as atualizações trazidas pela Lei nº 14.442/22, reconhecem e regulamentam o teletrabalho, inclusive quando realizado fora do território nacional. O artigo 75-B da CLT autoriza expressamente esse tipo de prestação, desde que existam acordos claros sobre metas, entregas e custos operacionais.

O parágrafo 8º do mesmo artigo, estabelece que a lei brasileira se aplica ao teletrabalho realizado fora do país, respeitadas as exceções da Lei nº 7.064/1982, que trata da situação de trabalhadores contratados ou transferidos para atuação no exterior:

“§ 8º Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes. (Incluído pela Lei nº 14.442, de 2022)”.

Vale ressaltar ainda que o § 3º do art. 75-B da CLT exclui do regime de teletrabalho os trabalhadores de teleatendimento e telemarketing, mesmo que suas atividades se realizem remotamente. Esses profissionais estão sujeitos a normas específicas, previstas na Portaria nº 3.214/78, (Norma Regulamentadora – NR 17, Anexo II), que estabelece regras detalhadas sobre pausas, jornadas e condições ergonômicas, não compatíveis com o regime de teletrabalho.

Isto implica dizer que no tocante ao teletrabalho internacional a base jurídica existe, mas o que falta, na maioria dos casos, é um contrato bem estruturado, construído a partir de uma análise detalhada do caso concreto, com atenção a riscos e peculiaridades.

Os riscos de uma contratação mal formulada são amplos, desde o reconhecimento de vínculo com base na legislação de outro país, até autuações por descumprimento de obrigações e encargos, e disputas sobre foro e legislação aplicável. Por isso, empresas que pretendem adotar esse modelo devem contar com orientação jurídica especializada desde o início.

A contratação de empregados no exterior é uma prática viável e cada vez mais comum, especialmente diante da busca por profissionais com qualificação e competências técnicas específicas. Pode ser vantajosa para contratantes e contratados, desde que planejada estrategicamente e com respaldo jurídico adequado.

Afinal, em um cenário globalizado, o profissional pode estar a milhares de quilômetros, mas os riscos legais estão mais próximos do que se imagina.

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